Hipnotize seus Leitores utilizando o Show, Don't Tell
- O. Erick Trautvein
- 23 de jul. de 2023
- 8 min de leitura
Atualizado: 25 de jul. de 2023
Conheça a poderosa Regra de Ouro da escrita criativa com exemplos práticos para aplicar em suas histórias.

A técnica de escrita “Show, don't tell” basicamente consiste numa forma de contar a história de seus personagens via ações e detalhes sensoriais ao invés de simplesmente expor o que aconteceu. Focando em experiência ao invés de informações.
É normal no início de carreira que o autor iniciante acabe contando muito em suas histórias e mostrando pouco, deixando o texto sem sabor. O show don't tell é uma técnica de escrita que evita isso e possibilita uma maior imersão na história.
Colocando o leitor dentro da cena.
Ao longo deste artigo você entenderá o motivo do Show don't tell ser considerado uma regra de ouro no universo da escrita criativa e como você pode aplicar esta técnica em suas histórias para deixar seus leitores vidrados em seus textos.
Show don't tell significa que ao invés de você colocar algo para o seu leitor aceitar, você vai escrever de modo a transmitir algo para o leitor experimentar.
Okey, dokey?
Vejamos alguns exemplos para você entender na prática.
Lisa estava profundamente triste em sua casa.
Aqui a frase simplesmente afirma que Lisa está triste, sem fornecer detalhes adicionais de como era essa tristeza. Você não sente a tristeza de Liza nem não sabe o quão triste ela está.
Vamos agora para o exemplo mostrando.
Lisa caminhava lentamente pelos corredores da casa, arrastando os pés e mantendo a cabeça baixa. Seus olhos vermelhos e inchados mostravam o peso de suas lágrimas recentes. O silêncio do ambiente era preenchido pelo som ocasional de um soluço abafado que escapava de seus lábios trêmulos.
Já na segunda, o leitor pode visualizar a tristeza de Lisa por meio de suas ações, aparência e expressões, criando uma experiência mais imersiva sem que seja necessário dizer que ela estava triste.
Outra vantagem é que você deixa espaço para o leitor tirar suas próprias conclusões, é mais interessante do que explicitar tudo. Consegue imaginar como a obra Dom Casmurro perderia profundidade caso Machado tivesse deixado explicito se Capitu traiu ou não Bentinho? Perderia beleza.

Crie um ambiente imersivo utilizando o show don't tell
Uma forma muito utilizada de mostrar em vez de contar é criando a sensação de imersão, de modo a fisgar o seu leitor. É possível fazer isso escrevendo sobre o modo como seus personagens percebem e interagem com os arredores do seu universo, por meio de detalhes sensoriais e ações esporádicas.
Contando: A festa estava barulhenta e lotada. Jane se sentia sobrecarregada e desconfortável.
Mostrando: Jane entrou na festa e imediatamente o som ensurdecedor da música invadiu seus ouvidos, vibrando em seu peito. Nem deu três passos dentro da casa e trombou com um deconhecido, começou a andar quase encolhida para não trombar com em mais ninguém, olhou ao redor a procura de suas amigas mas não viu nenhum rosto familiar. Apenas almas perdidas da noite. O coração de Jane acelerou, sentiu uma gota de suor se formar em sua testa. Tentou sorrir, mas seus lábios tremiam e seu estomago revirava, segurou firmemente seu copo, buscando conforto no calor familiar.
O Show ilustra e dá vida à cena, enquanto o Tell apenas constata o que aconteceu de forma mais rápida e direta. Mais para frente veremos que existem casos onde é melhor utilizar o Tell para a história não ficar muito arrastada.
Já nesse trecho do Senhor dos Anéis podemos ver como Tolkien nos mostra os perigos de Mordor sem precisar dizer que se trata de um lugar perigoso.
As poças sufocantes estavam cheias de cinzas e lama que se espalhava, num branco-acinzentado repugnante, como se as montanhas tivessem vomitado a imundície de suas entranhas sobre as terras que as circundavam. Altos montes de pedra esmigalhada e esmagada, grandes cones de terra arruinados pelo fogo e manchados de veneno jaziam como um cemitério obsceno em fileiras intermináveis, lentamente reveladas na luz relutante.
Revele seus personagens sem precisar listar suas características para o leitor.
Uma das formas mais versáteis de se utilizar o Show don't tell, é no desenvolvimento do seu protagonista. É mais sutil e interessante mostrar para o leitor que o personagem possuí determinadas características do que falar que ele as tem.
Por exemplo, ao invés de falar que Xelt era um garoto curioso que vivia nas ruas de Akaft Kart, é muito melhor mostrar esse traço de personalidade em cenas onde ele não consegue resistir essa vontade e se mete em enrascada na cidade em que vive. Ou mostre cenas dele perguntando coisas que uma pessoa normal não perguntaria.
— Quem construiu a torre? — Perguntei dando corridinhas para acompanhar os passos largos de meu tio. — Torks. Há dez mil anos. Parei de boca aberta e fiquei olhando-a. Naquele dia, nenhuma nuvem a cobria. Foi a única vez que a vi por inteiro. Refletia na frente a luz do sol vermelho e na lateral a do sol amarelo. Lembrava uma cachoeira de pedra polida. Corri novamente para alcançar meu tio — ele estava virando a esquina. — Como faço para ir lá? — Apenas os convidados dele podem ir lá. — Falou com sua costumeira carranca, envolta na sua grotesca barba ruiva. — Como faço para ser convidado?
Como podemos ver, é possível utilizar o show don't tell até mesmo em diálogos, demonstrando elementos que vão além da própria conversa. O modo como um personagem fala revela muito sobre ele, principalmente quando ele está sendo apresentado pela primeira vez. Ele fala rebuscado? É gago? Possui fala afiada? Utiliza frases longas e eruditas? Ou gírias da rua? Ele fala "eaw cara?", ou se dirigi respeitosamente utilizando Sr. ou Sra. antes do nome? O personagem pode possuir uma palavra que marcante que utiliza toda hora, como o Jesse Pinkman de Braking Bad que fala o xingamento"BITCH" 54 vezes ao longo de toda a série.

Um autor que revela muito bem seu personagem por meio de diálogos é o George R. R. Martin, veja esse breve diálogo:
Jon: Por que você lê tanto? Tyrion: Olhe pra mim e diga o que vê. Jon: isso é um truque? Tyrion: O que você vê é um anão. Se eu tivesse nascido um camponês, eles poderiam ter me deixado na floresta para morrer. Infelizmente, eu nasci um Lannister do Rochedo Casterly. Coisas são esperadas de mim. Meu pai foi a mão do rei durante 20 anos. Jon: Até que seu irmão matou aquele rei. Tyrion: Sim. Até que meu irmão o matou. A vida é cheia dessas pequenas ironias. Minha irmã se casou com o novo rei e meu sobrinho repulsivo será rei depois dele. Eu devo fazer minha parte pra honra da minha casa, não concorda? Mas como? Bem, meu irmão tem a espada e eu tenho minha mente. E uma mente precisa de livros assim como uma espada precisa de uma pedra pra amolar. É por isso que eu leio tanto, Jon Snow.

Neste diálogo Martin nos mostra uma faceta da personalidade do Tyrion, o seu senso de humor depreciativo, sua fala afiada, suas percepções da sociedade e o seu intelecto aguçado. Já do Jon vemos ser observador, cauteloso ao responder à pergunta com outra pergunta, e talvez um pouco cético quanto a primeira resposta de Tyrion.
Sem contar que nesse dialogo ele nos expõe um pouca das intrigas do reino, a história da família, a relação do anão com o rei, e talvez uma certa necessidade de validação do pai que Tyrion disfarça de "honrar a familia".
Tudo isso é exposto num simples dialogo ao invés de fazer um parágrafo despejando todas essas informações no leitor. Importante ressaltar: ele faz com contexto no diálogo, numa interação entre os dois personagens, ele não ta forçando o dialogo para passar a informação.
Como o show don't tell separa a escrita criativa de outros tipos de escrita como, por exemplo, uma redação de Enem.
A grande maioria dos textos de redação não seguem a regra do show don't tell, na verdade, a grande maioria de textos como esse que este artigo, por exemplo, precisam ter uma escrita direta. Visando passar a informação de uma forma mais clara possível para que você entenda o conceito, e saiba como aplicar em suas histórias.
A maioria das profissões de redação exige esse tipo de escrita: declarações que descrevem, argumentam, educam e esclarecem.
Escritores criativos é uma espécie diferente.
Que procuram muito transcrever experiências humanas ao invés descrever.
Trabalhando para possibilitar aos leitores portas para o mundo da escrita. Deta forma enquanto a maioria da escrita é declarativa, a escrita criativa é exploratória, construtiva e inventiva.
Exceções a regra de ouro da escrita criativa.
Embora a "regra de ouro" da escrita criativa seja mostrar e não contar, existem algumas exceções onde o "contar" pode ser apropriado e até mesmo necessário.
Cenas de transição: Existem momentos que a narrativa precisa avançar rapidamente, e vale a pena utilizar o "tell" ou sumário narrativo para evitar detalhes desnecessários e manter o ritmo da história.
Exemplo: Durante a viagem de carro, o cenário mudava rapidamente do campo para a cidade, e em poucas horas, eles chegaram ao destino final.
A menos tenha uma ideia de diálogo interessante para colocar ao longo dessa viagem, provavelmente não a pena mostrar essa parte da história. Não sei você, mas morro de tédio sempre que viajo e você não quer entediar o seu leitor ao transmitir essa experiência.
Informações essenciais: Algumas informações cruciais podem ser comunicadas de forma mais direta, especialmente quando são fundamentais para o entendimento da trama.
Exemplo: O rei estava morto. Seu assassinato desencadearia uma série de eventos que mudariam o destino do reino para sempre.
Claro que se o foco da sua história for as intriga politicas que nem em Game o Thrones, talvez não vale a pena falar que sua mudaria o destino do reino, porque você pode mostrar isso acontecendo. Mas do rei estar morto pode muito bem ser contado.
Cenas de resumo: Em alguns casos, é útil fazer um resumo de eventos que não exigem uma descrição detalhada para economizar espaço na narrativa.
Exemplo: Nos meses seguintes, o protagonista treinou diligentemente, aprimorando suas habilidades de combate e aprendendo as artes da magia.
Algo interessante de se fazer com esse tipo de cena seria mostra um treino do protagonista, e depois resumir para não acelerar o processo. A menos claro que sua história seja focada nos desafios do treino do personagem como o Karatê Kid.
Estilo literário: Alguns estilos literários podem se beneficiar do uso estratégico de "contar" para criar uma atmosfera ou efeito específico.
Exemplo: Nas sombras escuras da noite, os uivos ecoavam pela floresta, trazendo uma sensação de inquietação e medo.
Um autor que faz uso muito do contar ao invés de mostrar é o Edgar Allan Poe, criando um estilo mais direto e descritivo. Um exemplo disso pode ser encontrado em seu poema "Annabel Lee", onde ele conta uma história de amor trágico.
Foi há muitos e muitos anos já, Num reino de ao pé do mar. Como sabeis todos, vivia lá Aquela que eu soube amar; E vivia sem outro pensamento Que amar-me e eu a adorar. Eu era criança e ela era criança, Neste reino ao pé do mar; Mas o nosso amor era mais que amor — O meu e o dela a amar; Um amor que os anjos do céu vieram a ambos nós invejar.
Neste poema, Poe descreve a história de amor entre o narrador e Annabel Lee, sem usar muitos detalhes sensoriais ou ações elaboradas. Ele simplesmente conta a história de forma direta, enfatizando as emoções e o sentimento de amor entre os dois personagens. Personagens específicos: Alguns personagens podem ser conhecidos por sua maneira direta de se expressar, tornando o "contar" uma escolha adequada para refletir suas personalidades.
Exemplo: "Não tenho tempo para rodeios", disse o detetive, "apenas me diga o que viu no beco escuro naquela noite."
Por fim, lembre-se de que na escrita, como qualquer outra arte, não existem regras rígidas. Se você está preocupado por estar contando demais e não mostrando o suficiente, mas sua escrita ainda flui bem e envolve os leitores, não se sinta obrigado a mudar. Inclusive quando estiver fazendo o primeiro rascunho de sua história é normal que você conte muito, afinal, você está encontrando a sua história.
Conclusão.
Dominar a arte do Show don't tell na escrita criativa pode aprimorar significativamente suas habilidades de contar histórias, mas é essencial reconhecer que há exceções a cada regra. Embora essa técnica possa trazer profundidade e imersão à sua narrativa, não é um requisito absoluto para cada peça de escrita. Conforme você se aprofunda em sua jornada de escrita, não seja muito rigoroso consigo mesmo se encontrar casos em que tende mais a "contar" do que a "mostrar". A escrita é um processo dinâmico em constante evolução, e é perfeitamente aceitável experimentar estilos e abordagens diferentes enquanto descobre sua voz única.
Ao ganhar experiência e aprimora sua arte, você se tornará mais habilidoso em encontrar o equilíbrio certo entre "mostrar" e "contar" para cativar seu público e dar vida a seus personagens e cenas.
Gostou das dicas para aprimorar suas habilidades de escrita utilizando o Show Don't Tell? Me conta na comunidade do discord!
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